Thursday, January 27, 2011

Pirataria: Reflexo de uma Realidade de Caos e Anarquia que se Vive na Somália


A Pirataria no mar é um assunto de grande preocupação nas Relações Internacionais Contemporâneas pelo efeito devastador que tem sobre o comércio internacional, pelas prováveis ligações que existem entre os piratas e fundamentalistas islâmicos na Somália e Yémen e pela perturbação da segurança dos Estados. Moçambique não está imune perante esta corrente e já sentiu os efeitos dos actos de pirataria com a caputra, no dia 27 de Dezembro, de uma embarcação de pesca em águas territoriais nacionais.
Um conjunto de iniciativas regionais e internacionais de controlo têem sido levadas a cabo como forma de minimizar a actuação dos piratas permitindo uma navegabilidade segura. Não obstante estes esforços, a pirataria parece estar a ganhar cada vez mais adeptos entre os Somalis principalmente pela expectativa que existe em relação aos resgates pagos pelos armadores. De acordo com as estatisticas da International Maritime Bureau, em 2008 foram bem sucedidos 32 actos de pirataria tendo dado lugar ao pagamento de cerca de 55 milhões de Dolares, em 2009 registaram-se 47 actos de pirataria bem sucedidos com pagamento de 60 milhões de Dolares em resgate e em 2010 tivemos cerca de 53 sequestros por Piratas.[i] Considerando que os armadores chegam a pagar, por uma única embarcação, até 5 milhões de dolares pelo resgate, é legítimo afirmar que encontra-se na posse dos piratas grande parte dos Navios capturados, com a respectiva tripulação, por dificuldades de pagamento ou de se chegar a um preço sustentavel para os armadores. Como podemos verificar, trata-se de um problema económico, social e político grave e crescente que dificulta as transações comerciais pelo mar aumentando os riscos e os custos de circulação de bens e pessoas.
Partido do pressuposto de que a percepção de um fenómeno malígno é o primeiro passo rumo ao seu combate, o presente artigo, visa explorar este fenómeno procurando perceber a sua natureza, dinâmica e possíveis mecanismos de prevenção ou controlo.
Natureza
A pirataria não é um fenómeno novo na história das Relações Internacionais. Tradicionalmente, a pirataria foi um acto economicamente motivado levado a cabo por grupos organizados com objectivo de tomar posse da embarcação ou da mercadoria em benefício próprio. Para tal, a eliminação física da tripulação era um meio necessário para se atingir o fim pretendido.
Actualmente, a pirataria apresenta um padrão operativo diferente da realidade acima exposta. Não obstante continuar a ideia de motivação económica, o objectivo não é necessariamente a embarcação muito menos a mercadoria nela contida, mas sim, o valor de resgate pago pelo armador para a recuperação da embarcação e da tripulação. Quer dizer, os piratas actuais exploram a sensibilidade que se tem sobre o valor da vida humana exigindo somas avultadas não necessariamente pelo valor da mercadoria mas sim pelo valor da vida dos tripulantes.
Objectivamente, as condiçoes que incentivam os actos de pirataria estão associadas a longos espaços marítimos sem controlo, situação geográfica favorável, Estados fracos, elites corruptas e comprometidas com a pirataria por dela tirarem benefícios, situações de conflito e estagnação económica. Estas condições podem ser cumulativamente verificadas na Somália criando condições favoráveis para que este Estado (ou não Estado) funcione, de facto, como fonte de produção e reprodução da pirataria no Mar Vermelho e no Oceano Índico.
O estatuto de Estado falido atribuído a Somália transporta consigo um conjunto de características conduciveis a instabilidade, a desordem e ao caos. Trata-se de uma situação em que o Estado não possui monopólio do uso da força e como tal não pode agir na qualidade de agente coercivo; sem autoridade governamental funcional; sem capacidade de providenciar condições de segurança para os seus habitantes muito menos exercício de controlo sobre as suas fronteiras terrestres e marítimas.[ii]
Este cenário tornou-se realidade da Somália desde a queda do governo de Mohamed Siad Bare em 1991. A partir deste período, criou-se um vaziu de autoridade com grupos criminosos, senhores de guerra, líderes tradicionais e religiosos a capturarem parcelas do território Somali para fins meramente privados ou de interesse faccional. A instituição do Governo Federal de Transição em 2004 não serviu para a estabilização uma vez que as lutas entre facções fizeram e continuam a fazer com que o poder e autoridade deste governo não se extenda para além da capital Mogadishu mesmo com o apoio de forças estrangeiras.
Localmente (na Somália), a Pirataria tende a ser justificada como um acto nacionalista e de vingança ou defesa dos recursos naturais pesqueiros perante o assalto estrangeiro principalmente durante grande parte da década 90.[iii] Se este argumento pode ser “legítimo” para justificar, em parte, os actos de pirataria nas águas da Somália, ele perde força e não serve para justificar a pirataria praticada pelos Somalis em águas territoriais de outros Estados (Kenya, Tanzania, Moçambique, Seycheles, Comores, etc.)
Logicamente, a ausência de uma entidade central capaz de coordenar os esforços para o desenvolvimento económico, social e político integrado faz com que a extorsão através de actos de pirataria seja uma alternativa para a sobrevivência na Somália. Assim, a pirataria, tal como ela é vista nos dias actuais, é um crime de oportunidade que representa um sintoma de uma realidade política de caos e anarquia que se vive na Somália desde 1991.


Actuação e efeitos
Primeiramente os focos principais dos actos de pirataria foram as águas territorias somalis na região de Mogadishu, Hobbyo e Eyl ou seja, ao longo da costa central da Somália.[iv] Perante a percepção da ameaça por parte dos armadores e consequente desvio de rota, os piratas deslocaram-se, a aprtir de 2005, para o extremo norte junto ao Golfo de Aden por onde transitam anualmente entre 16.000 a 20.000 navios comerciais ligando Ásia à Europa e à América do Norte. Portanto uma zona fértil para a actuação dos piratas.
Contudo, dado o valor comercial desta rota e o efeito que a sua captura pelos piratas poderia causar para as transações comerciais entre o Oriente e o Ocidente bem como para o rendimento de Estados com Egipto (Canal de Suez), foram tomadas medidas corretivas de modo a reduzir o risco da pirataria naquele ponto ao mesmo tempo que se criavam condições mínimas de segurança para o tráfego marítimo. A primeira grande operação de segurança marítima foi coordenada pela NATO em 2008 através da operação ATLANTA envolvendo cerca de 20 vasos de patrulha com contributo da Grécia, França, Espanha, Alemanha e Itália. Uma outra iniciativa, Task Force 151, estabelecida em 2009 é liderada pelos Estados Unidos de América e conta com contribuições do Canada, Reino Unido, Malásia Arábia Saudita, Japão, Singapura e os Estados envolvidos na operação ATLANTA. Os esforços combinados destas iniciativas de criação de um corredor marítimo seguro junto ao Golfo de Aden e áreas adjacentes mobilizam de forma permanente cerca de 50 navios de guerra em missões de escolta e patrulha.[v]
Estas iniciativas acabam dificultando a acção dos Piratas no extremo norte da Somália forçando-os a abrir novas frentes e actuando em áreas cada vez mais distantes e fora das águas territoriais da Somália. A presença dos piratas em águas territorias do Kenya, da Tanzania, das Seychelles das Comores e de Moçambique é sintomático desta nova realidade e resulta da combinação entre as dificuldades de actuação na região do Golfo de Aden por um lado, e a sofisticação dos meios operativos com recurso aos aparelhos de localização geográfica (GPS), telefones satélites e navios âncora por outro lado.
Os efeitos da pirataria no mar são desastrosos para os Estados, que tem de mobilizar meios adicionais de forma a garantir segurança aos seus nacionais e respectivos bens, e para as companhias marítimas que tem de mobilizar recursos adicionais de forma a proteger as suas embarcações e tripulações ou recuperá-las em casos em que tenham caído sob domínio dos piratas.
Economicamente, está claro que o atraso na entrega de uma mercadoria por motivos de desvio de rota retenção faz perder dinheiro tanto ao armador bem como ao afretador. Por outro lado, e devido aos riscos da pirataria, verifica-se o aumento dos valores cobrados pelas seguradoras aos navios que atravessem as zonas de risco. Como forma de evitar zonas de risco, algumas companhias já consideravam a possibilidade de utilização da rota do Cabo como via alternativa ao risco associado à rota do mediterrâneo. Entretanto, para além desta rota ser mais longa e como tal reduzir o fluxo das mercadorias entre o Oriente e o Ocidente, a actuação de piratas no canal de Moçambique faz constar esta rota na lista de zonas de risco de Pirataria.
Politicamente encontramos as dificuldades óbvias de estabilização da Somália uma vez que, grupos poderosos que controlam os actos de pirataria ou se beneficiam dela num contexto de ingovernabilidade, tendem a se fortificar cada vez mais dificultando qualquer iniciativa de estabilização. De salientar que não obstante Somália ser considerado um Estado falido, não é necessariamente uma sociedade totalmente falida. Existem estruturas sociais organizadas em volta dos chefes tribais ou líderes tradicionais, líderes religiosos e senhores de guerra que controlam parcelas do território Somali e, de certa forma, recebem benefícios da pirataria em troca de proteção aos piratas e bens por si sequestrados no alto mar. Estes grupos têm interesse na continuação da situação de instabilidade política
Em termos militares existe o risco, senão realidade, dos piratas se tornarem agentes do terrorismo internacional radicalizando as formas de actuação e alimentando, com o produto da pirataria, a reprodução de redes terrotristas. O facto das milícias Al-Shabab controlarem grande parte do território Somáli incluindo a faixa costeira na região Sul é um sinal inequívoco sobre a possiblidade da transformação de acções de pirataria com fins meramente económicos para acções de pirataria com fins ideologicamente comprometidos.


O Tratamento da Pirataria no Direito Internacional
A Pirataria tem um espaço reservado no Direito Internacional. Dentre os instrumentos juridicos actuais que se ocupam da pirataria como um crime internacional podemos destacar a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar[vi] e a Convenção sobre a Eliminação dos Actos Ilegais contra a Navegação Marítima Segura[vii]. No caso específico da Somália podemos encontrar as Resoluções do Conselho de Segurança 1816 de 2008, 1838 de 2008, 1846 de 2008 e 1851 também de 2008 que por força do Capítulo VII da Carta das Nações Unidas tomam forma de Lei e como tal fontes do Direito Internacional nos esforços para o combate à Pirataria nas águas da Somália.
A Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar define, no seu artigo 101, a pirataria como:
a)      Todo o acto ilícito de violência ou de detenção ou todo o acto de depredação cometidos, para fins privados, pela tripulação ou pelos passageiros de um navio ou de uma aeronave privados, e dirigidos contra:
                                i.            Um navio ou uma aeronave em alto mar ou pessoas ou bens a bordo dos mesmos;
                              ii.            Um navio ou uma aeronave, pessoas ou bens em lugar não submetido a jurisdição de algum Estado;
b)      Todo o Acto de participação voluntária na utilização de um navio ou de uma aeronave, quando aquele que o pratica tenha conhecimento de factos que dêem a esse navio ou a essa aeronave o carácter de navio ou aeronave pirata;
c)      Toda a acção que tenha por fim incitar ou ajudar intencionalmente a cometer um dos actos enunciados nas alíneas a) ou b.
No que diz respeito ao combate, o artigo 100 da mesma Convenção refere que: “Todos os Estados devem cooperar em toda a medida do possível na repressão da pirataria no alto mar ou em qualquer outro lugar que não se encontre sobre a jurisdição de algum estado”.
A partir desta formulação fica claro que qualquer acto voluntário praticado no alto mar visando perturbar por meios violentos o fluxo normal da circulação marítima é crime internacional com qualificação de pirataria. Perante estes actos os Estados são chamados a cooperar para a sua eliminação. Ora, se existe clareza tanto na definição do fenómeno como na responsabilidade dos actores estatais perante o fenómeno, o problema surge na implementação ou operacionalização.
Na Convenção sobre o Alto Mar[viii] a ideia do alto mar ou lugar que não esteja sob jurisdição de qualquer outro Estado refer-se ao espaço que não pertence ao mar territorial ou seja para além das 12 milhas. Já na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar de 1982, art. 86, o limite do Alto Mar é colocado para além das 200 milhas marinhas ou seja para além da Zona Económica Exclusiva que se trata de uma área sob jurisdição de Estados soberanos e como tal fora da alçada do Direito Internacional Público.
Partindo do pressuposto de que grande parte dos actos de pirataria que temos assistido actualmente ocorre entre o mar territorial (12 milhas) e a Zona Económica Exclusiva (200 milhas), então, considerando os princípios da soberania dos Estados e da territorialidade dos actos criminais, cabe aos Estados costeiros, em cujas águas se desenvolvem actos de Pirataria, fazer uso dos seus meios e instrumentos jurídicos para responsabilizar criminalmente os autores. Entretanto, tendo em conta os dois principios acima apresentados, levantam-se duas questões práticas:
Primeiro é que os Estados africanos costeiros no Oceaano Índico, com poucas expcepções, não possuem capacidades suficientes para, de forma individual, assumirem as responsabilidades e exercerem controlo efectivo sobre as suas águas teritoriais muito menos sobre as 200 milhas referentes à Zona Económica Exclusíva ou à Plataforma Continental. Por exemplo, de acordo com o artigo 107 da Convenção das Nações Unidas sobre o direito do Mar, “Só podem efectuar apresamento por motivos de pirataria os navios de guerra ou aeronáveis militares, ou outros navios ou aeronaveis que tragam sinais claros e sejam identificáveis como navios ou aeronáveis ao serviço de um governo e estejam para tanto autorizado”. Este facto indica que não pode haver prisões por acaso e por terceiros. Ou seja, a captura de um navio pirata deve ser em resultado de uma acção contínua de fiscalização marítima com recurso a meios do Estado (exército) ou a meios por este autorizados. Para Estados com recursos reduzidos para fiscalização marítima fica difícil cumprir com esta prerrogativa e participar de forma activa nos esforços contra a pirataria no mar.
Segundo, o facto de a Somália ser um Estado falido sem uma autoridade central capaz de identificar e responsabilizar criminalmente os piratas, muito menos exercer controlo sobre a sua orla marítima, dificulta a operacionalização dos esforços anti pirataria para casos que ocorram, pelo menos em princípio, nas águas sob sua juristição. Por um lado não existem condições para se desmantelarem as bases da pirataria onshore, e por outro lado, mesmo que sejam capturados suspeitos de prática de pirataria em águas territoriais da Somália seria difícil responsabilizá-los criminalmente na Somália por razões previamente avançadas.
O outro problema que se levanta é mais político do que jurídico. Considerando que a captura e a responsabilização jurídica dos piratas pode ser feita por terceiros Estados sob autorização do Estado costeiro ou das Nações Unidas para o caso da Somália (Resolução do Conselho de Segurança 1816), existe uma dificuldade dos Estados ocidentais prenderem Piratas Somális no Oceano Índico e levá-los a Europa sob o receio de que uma vez cumprida a pena estes poderão requerer o asílo político que nestes casos teria de ter um parecer favorável em virtude do Direito Internacional proibir o reenvio de pessoas para zonas de conflito.
Para casos de Estados costeiros que autorizem tais acções, os suspeitos devem ser remetidos às autoridades soberanas dos espaços em que tais actos de pirataria tenham sido cometidos. Aqui, o receio tem a ver com a questão dos direitos humanos e a capacidade dos sistemas judiciais destes Estados em julgar e condenar suspeitos de Pirataria de acordo com um processo transparente e justo. O caso do Kenya onde mais de 100 suspeitos de pirataria no Oceano Índico aguardam julgamento a mais de dois ou três anos é sintomático.[ix]
Desta forma, fica difícil operacionalizar o Direito Internacional em casos de pirataria uma vez que seria difícil, por exemplo, julgar em Portugal um indivíduo Somali, suspeito de prática de pirataria contra alvos não portugueses nas águas territoriais ou na Zona Económica Exclusíva da Somália. O Direito Internacional não se aplicaria nestes casos muito menos o Direito Português. Mesmo em casos em que tais actos de Pirataria tenham sido cometidos para além das duzentas milhas (alto mar de facto) e como tal sob alçada do Direito Internacional Público, os Estados Ocidentais sentiriam dificuldades de prender e julgar os suspeitos em seus solos, principalmente tratando-se de Somalis, pelos receios de possibilidade de pedido de asílo pós cumprimento da pena. Basicamente, teme-se que a pirataria seja utilizada não como um meio para obtenção do resgate mas sim como um meio para chegar ao solo Europeu ou qualquer outro Estado Ocidental.
Tratando-se de um crime internacional, algumas correntes sugerem que se podia utilizar o Tribunal Penal Internacional como fórum para a responsabilização criminal dos piratas. Contudo, esta posição teria dificuldade de se materializar uma vez que o mandato do Tribunal Penal Internacional é explícito e fechado tendo como objecto os crimes de guerra e crimes contra a humanidade. Outro constrangimento estaria no facto de menores de 18 anos não poderem ser submetidos à jurisdição deste tribunal o que traria transtornos já que parte da pirataria é praticada por menores de 18 anos.
Perante estas dificuldades legais, os Estados que se organizam em missões de supervisão ou fiscalização marítima no Oceano Índico acabam assumindo um papel de protecção e não necessariamente perseguição, o que não intimida tanto aos Piratas que, obviamente, conhecem as lacunas da Lei Internacional e esperam sempre uma oportunidade para actuar.
O Caso da Pirataria no canal de Moçambique
A actuação dos Piratas nas águas territoriais moçambicanas surpreendeu aos pouco atentos ao fenómeno uma vez que, para os mais atentos, houve um acumular de eventos que indicavam que a qualquer momento Moçambique ou as águas territoriais Moçambicanas seriam palco alternativo para actos similares. Esses eventos, podem ser agrupados entre aqueles que ocorreram a nível externo por um lado e os que dizem respeito ao contexto doméstico por outro lado.
A nível externo primeiro podemos identificar a concentração das forças ocidentais na região do Golfo de Aden e áreas Adjacentes de modo a proteger esta preciosa rota comercial. Esta concentração teve o efeito de dispersar parte considerável dos piratas que se viram forçados a deslocar-se para o Sul a caça da rota do Cabo e expandir o seu raio de acção.
O segundo aspecto externo tem a ver com o novo modus operandi e, pode explicar a escolha do alvo – um simples barco de pesca sem mercadoria valiosa para os Piratas. De facto, se a expectativa de pagamento de somas avultadas em resgate constitui o principal móbil da pirataria, é difícil acreditar que a captura da embarcação de pesca em Moçambique tenha sido motivada por essa expectativa. O novo modus operandi no âmbito do alargamento da área de actuação dos Piratas pode ter sido o móbil para a escolha do navio de pesca. Com efeito, os navios pesqueiros passaram a ser relevantes para os piratas dada a possibilidade de os utilizar como navios-âncora sobre os quais atrelam as suas lanchas de alta velocidade mas com pouca autonomia de navegação, por um lado, e por outro, pela possibilidade de uso destes navios de pesca como disfarce a espera da oportunidade para atacar os alvos preferidos. Desta forma, o uso de armações de pesca como âncoras explica como é que os piratas têm conseguido alargar a sua área de actuação de forma dramática ao longo do Oceano Índico e a preferência pela embarcação de pesca capturada nas águas nacionais.
Em terceiro lugar temos o evento de 11 de Dezembro, quando uma acção bem sucedida dos Piratas permitiu que eles ficassem na posse de um navio (MV PANAMA) que se deslocava ao porto da Beira, segundo relatos, a cerca de 80 milhas marinhas na fronteira entre Moçambique e Tanzania. Este sinal foi a evidência mais clara sobre a eventualidade e proximidade de casos semelhantes em águas Moçambicans.[x]
Internamente podemos encontrar, em primeiro lugar, a dificuldade ou incapacidade de controlo efectivo das águas territorias e da Zona Económica Exclusiva como um incentivo para a actuação dos piratas no canal de Moçambique.
O outro factor doméstico pode estar relacionado com a recente onda de imigração ilegal de indivíduos provenientes da Somália. Alguns grupos destes imigrantes ilegais podem estar associados às redes de pirataria actuando onshore fornecendo informação sobre o movimento e o valor estimado dos navios em circulação na costa e nos portos de Moçambique. Com efeito, se considerarmos que a pirataria é um crime de oportunidade baseado em terra mas que se manifesta no mar, Moçambique tem de estar preparado para a possibilidade de existirem redes de informantes que facilitam a vida aos piratas no mar ou mesmo na possibilidade destes grupos organizarem-se a partir de Moçambique e partirem para o mar em perseguição a navios que tenham partido de portos Moçambicanos.
Que Respostas para o Fenómeno da Pirataria?
A pirataria é um problema global e logicamente necessita de soluções globais e coordenadas. Entretanto, estamos perante uma situação em que todas as soluções globais até agora adoptadas não terem fornecido indicações de redução de actos de pirataria. Pelo contrário, tem ajudado a expandir esses mesmos actos para regiões antes não consideradas de risco como é o caso do Canal de Moçambique
Idealmente, a fórmula para a eliminação da Pirataria no Oceano Índico exige necessariamente a reconstrução do Estado na Somália, ou seja, a restauração da autoridade governativa, da ordem política, social e económica. Obviamente que desde 1991 existem esforço para esse fim sem, contudo, alcançar o sucesso desejado. Entretanto, julgamos ser imperioso a combinação de esforços que transmitam a ideia de insustentabilidade da prática dos actos de pirataria ao mesmo tempo que se criam alternativas de sobrevivência domesticamente. Por exemplo, os navios de guerra estacionados ao longo do Golfo de Aden e áreas adjacentes, poderiam, também, funcionar para fiscalizar a actividade pesqueira nas águas territoriais e na Zona Económica Exclusiva da Somalia permitido, desta forma, criar sustentabilidade na actividade pesqueira o que poderia provavelmente reduzir o número de Somalis que se aventuram na pirataria por motivações económicas de sobrevivência.
Uma outra iniciativa poderia ser a criação de tribunais especiais, idênticos ao tribunal criado no Kenya, para julgar e condenar os suspeitos de actos de pirataria. Entretanto, um fundo especial para capacitação material, técnica e humana desses tribunais, devia ser criado e alocado aos Estados que manifestem a intençaõ de acolher esses tribunais especiais como forma de evitar a morosidade que se verifica na tramitação dos processos judiciais no tribunal de Nairobi.
Domesticamente as recomendações recaiem sobre os armadores e sobre o Estado. Aos armadores seria importante familiarizar-se com o Código de Conduta e Boas Práticas formalmente recomendado pela Organização Maritima Internacional desde 2009 no âmbito dos esforços para o combate da Pirataria na região do Golfo de Aden.[xi]
É evidente que, uma vez sequestrado o navio, os proprietários ou armadores não possuem outra alternativa para além de procurar um acordo acomodativo com os piratas. Entretanto, para o caso de armadores Moçambicanos que nem possuem mecanismos para iniciar negociações com os Piratas, pode ser menos oneroso seguir as boas práticas de forma preventiva do que ter de remediar no futuro.
Ao Estado moçambicano recomenda-se que reforce os mecanismos de fiscalização das águas territoriais de acordo com as normas e meios consentêneo com o estipulado na Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar. Por exemplo, de acordo com esta Convenção não podem ser nem a polícia marinha muito menos lanchas de alta velocidades os meios apropriados para prender e/ou perseguir um navio suspeito de pirataria. A este respeito, plasma o nº 5 do art. 111 da Converção das nações Unidas sobre o Direito do Mar que, o Direito de perseguição só pode ser exercido por navios de guerra ou aeronáveis militares, ou outros navios ou aeronaveis que possuam sinais claros e sejam identificáveis como navios ou aeronáveis ao serviço de um governo e estejam para tanto autorizado. E, para este efeito, o navio de guera é definido como qualquer navio pertecente às forças armadas de um Estado, que ostente sinais exteriores próprios de navio de guerra da sua nacionalidade, sob o comando de um oficial devidamente designado pelo Estado (art. 29).
Uma vez que no âmbito do direito de perseguição, a perseguição não pode ser interropida (nº 1, art. 111), deve ser efectuada por navios de guerra, e cessa no momento em que o navio perseguido entra no mar territorial do seu Estado ou de um terceiro Estado, (nº 3, art. 111) torna-se evidente que Moçambique precisa de se capacitar materialmente com meios com maior autonomia de navegação, diversificar esse material em termos de posicionamento estratégico ao longo do mar territorial e da Zona Económica Exclusiva como forma de dissuadir ou mesmo alcançar resultados positivos em casos de perseguição.
Torna-se fundamental que se aperte o cerco e se posível estancar a imigração ilegal bem como intensificar o controlo sobre a movimentação de indivíduos que, invocando motivos de conflito na Somália, se estabelecem em Moçambique sob pretexto de refugiados. Com o alargamento da rede de apoio aos actos de pirataria, parte destes grupos podem muito bem-estar associada a essas redes.
Finalmente, um acordo regional entre Moçambique, África do Sul, Madagáscar e Tanzania sob os auspícios das Nações Unidas através da Organização Marítima Internacional (similar ao Código de Conduta de Djibuti 2009)[xii] torna-se urgente porque permitiria uma cooperação mais activa nos esforços de repressão da pirataria e roubos armados contra navios no canal de Moçambique reduzindo, em parte, as limitações ou obrigaçoes impostas pela Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar.




[1] Investigador e Docente de Política Externa - ISRI


[i] Dados Disponíveis em http://www.imo.org/.
[ii] Donald W. Poter (2004) State Responsibility, Sovereignty and Failed State, APSA, Adelaide
[iii] Tiffany Basciano (2009), Contemporary Piracy: Consequences and Cures: Post Workshop Report, Johns Hopkins University- Washington
[iv] Lauren Ploch et al. (2009) Piracy of the Horn of Africa, Congressional Research Service, Washington
[v] Tiffany Basciano op. cit.
[vi] Convenção das Nações Unidas sobre o Alto Mar, 1982, Mondego Bay
[vii] Convenção sobre a Eliminação dos Actos Ilegais contra a Navegação Marítima Segura, 1988, Roma
[viii] Convenção sobre o Alto Mar, 1958, Geneva
[ix] Os EUA e o reino Unido assinaram acordos com o Kenya no âmbito da Resolução 1851 (Dezembro 2008) que apela aos Estados para rubricarem acordos especiais com outros estados na região para facilitar o julgamento e responsabilização dos piratas
[x]  O Journal Notícias do dia 14.12.2010 faz referência a este facto na Pp.6
[xi] Podem ser encontrados em http://www.imo.org/.
[xii] Djibuti Code of Conduct assinado por Djibuti, Etiopia, Kenya, Madagascar, Seychelles, Somalia, Tanzania, Yemen e aberto para adesão por outros Estados preocupados com a questão de pirataria no mar.


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